18 de set. de 2012

Visões de um túnel escuro

Não importa o quanto não é? Nunca é suficiente. Nunca é suficiente. Nunca é suficiente.
A gente dá a mão, dá o braço, se esforça, quer ser boa filha, boa neta, boa irmã, boa amiga, boa em tudo. Eu tenho essa ânsia absurda de sempre querer ser boa, sempre querer ser melhor. Um dia um monge budista me disse para nunca ter medo de ser melhor. E eu realmente sei que não tenho medo. Eu tenho uma necessidade. É coisa do meu lado perfeccionista. Eu sempre quero ser mais, melhor, perfeita. E eu me esforço. Ai ontem, vem minha mãe, essa mulher que tem esse poder mágico de acabar com o meu dia que até então estava bom, uma sensação de que as coisas iam melhorar e que podiam ser melhores. Ela quer conversar, mas não quero. Quero dormir bem, e sinto muito bem o tamanho da merda que ela vai jogar no ventilador do meu quarto e sair e quem vai ter que ficar aqui pra sentir o cheiro sou eu. Ela não me respeitou, invadiu meu espaço e falou que eu não tenho escapatória. E ela acaba comigo, ela nem tem ideia, eu sei. Ela fala que sou irresponsável. Talvez chegar em casa meio bêbada as sete da matina possa ser um pouco irresponsável, mas ela generaliza. Fala que não ajudo em nada, que sou uma decepção. É assim então? Não importa o quanto de tudo de bom que você faça, aquele pequeno deslize define você. Não importa os dias que você ajudou, que eu me engoli e fiz por eles, que eu deixei de sair para estar com eles, não importa. É aquele dia que te define.
Falou também que eu dou mais trabalho que uma menina de 15 anos. E se bem me recordo quando eu tinha 15 anos eu estava em depressão, tentando me matar. Será que chegar ás seis da matina em casa alcoolizada equivale a tentativa de suicídio? Que cálculo mais idiota.
Também disse que eu sou fácil, que meu homem não me daria valor. Que o meu ex fez de mim gato e sapato, me humilhou e me destratou, que eu sou babaca dos outros, uma panaca. Tão gostoso ouvir isso, que eu ajudo os outros mas no fim eu sou a panaca. Que eu fiz de tudo para que uma pessoa que eu amava que eu pensava que me amava de volta e ela não fez e que no fim a culpa é minha. Eu não acredito que eu tenha que maltratar alguém para que essa pessoa me ame, não acredito e não vou fazer isso. Porque trato os  outros da mesma forma que espero ser tratada. Não acredito que eu tenha que me mudar porque desse jeito eu não vou ser valorizada. Eu não acredito em ter que perder pra dar valor.
Ela roubou a chave do meu quarto. Eu tinha uma chave preciosa que me permitia me masturbar sem ter medo de ser pega, que eu podia trocar de roupa sem que ela viesse olhar meu corpo, essa invasão que ela nem percebe, essa chave que permitia que eu me sentisse segura e tivesse privacidade na minha própria casa. Mas não tenho mais direito à isso porque ela acredita que eu moro na casa dela e eu não posso ter respeito e nem privacidade porque moro com ela. Eu nem acredito nisso, me sinto como uma perfeita drogada que perdeu seus direitos por causa do vício.
Não tenho direito à mais nada nessa casa, nem à respeito, nem à viver um pouco, nem dormir fora de casa. E eu ainda quero rir porque tenho 25 anos e me sinto como uma adolescente de 15 escrevendo isso. Estou me sentindo totalmente desrespeitada, porque sinceramente as pessoas me olham, as pessoas que me conhecem dizem tanta coisa boa de mim. Dizem que tenho um coração enorme, que sou bondosa, que ficam inspiradas a ajudar e ser melhor. Mas aqui nessa casa eu me sinto um lixo,  me sinto como uma menina drogada, uma pessoa ruim que eu sei que não sou.
Ela disse que me comporto como uma periguete dormindo com meu namorado. Então é isso? Eu sou uma puta, uma vadia porque escolhi o que fazer com meu corpo? Eu pensava que periguete saía todo dia com um cara diferente e dormia com ele. E mesmo assim ainda é o corpo dela e opção dela, eu não tenho direito de achar isso um absurdo. Essa mesma mãe que me diz isso já me disse que pegou em diferentes pintos na vida, mas que só deu pro meu pai. Ah, que romântico, a senhora é mesmo uma santa.
E eu vou transar sim com ele, porque tenho vontade, tenho tesão e essa é uma das poucas liberdades que não permito que ela me tire. Ela pode tirar meu carro, a minha liberdade de locomoção fácil. Ela pode até me tirar o respeito, mas ela nunca vai me tirar a minha liberdade. Essa é a única que eu tenho, a liberdade de morar nessa casa e me sentir parte dela, e não subordinada à ela. Sei que tenho regras e que tenho que respeitar a convivência em coletivo, mas ela não vai em transformar numa criança que ela manda e desmanda.
Agora, eu me sinto um peso, um problema nessa casa. Me sinto como uma doença que atrapalha o hospedeiro.
E pra finalizar o discurso muito inspirador, ela disse que tenho até o fim do ano para mudar a minha vida. Que ameaça bonita. Mas vazia, porque afinal o que ela quer? Quer que eu saia de casa? Quer que eu passe num concurso? Afinal, eu tenho que levar a vida que ela quer que eu leve?
O que ela disse me fez sentir diferente. Me fez sentir indesejada na casa que moro faz 25 anos. Então eu não sou mais bem vinda aqui. Eu sou um problema, uma doença que se não melhorada conforme os desejos deles, tenho que ser eliminada.
Tenho uma capacidade ilimitada de perdoar, mas até eu (vejam só, até eu!) tenho limites. Ela ultrapassou todos, eu tenho direito à respeito, à privacidade, à viver. E se ela quer me tirar isso tudo, eu não vou permitir. Aqui eu declaro com grandes e garrafais letras que eu me amo, eu me adoro, eu me aprecio e não quero ser outra pessoa, quero os meus defeitos, meus desgostos, meu peso, meu corpo, meu tudo. Me declaro posse minha, não vou deixar ninguém me machucar embora isso vá acontecer. Sou minha protetora, minha mãe, minha justiça. Eu não vou me sentir assim, nunca mais. Nunca mais vou sentir que eu sou um problema, que eu sou um estorvo, se eu sou um problema que eu seja um problema meu.
Dito isso, sei o que tenho que fazer. Vou ter que mudar tudo, vou ter que mudar a pessoa que sou na minha casa, vou ter que mudar o que defini pro meu futuro, agora minha prioridade não pode ser eu, não pode ser mais o que eu gostaria de ser e a vida que eu gostaria de levar. Agora a prioridade é tratar os outros aqui como eles me tratam. Agora eu quero ser ruim, agora eu quero ser maldosa, tocar o foda-se e ignorar. Não vou mais sair com eles, não vou mais jantar fora ou almoçar fora. Melhor não comer e emagrecer de fato. Não vou mais sentar para ter conversinhas legais, escutar os problemas deles, oferecer a mão. Meu avô está fora disso tudo, com ele vou até o inferno e faço o que tenho que fazer. Ele é o meu pai de verdade, ele me protege. Me sinto indefesa, sem saber a quem peço ajuda. Vou pedir ajuda para quem no final se a responsabilidade é minha?
E nesse momento de extrema fragilidade, de quem não para de chorar diante da impotência da própria vida, eu só posso contar comigo porque sempre vai ser assim. Se eu contar com outra pessoa, um dia essa pessoa poder não estar comigo, eu sou sempre meu único refúgio. Me sinto fraca e vou ter que ser muito forte. Eu preciso ser forte. Preciso engolir esse choro e encontrar respostas. Encontrar um jeito de sair daqui.
Chega de chorar, sua babaca, afinal de que adianta? Acha que alguém vai ter peninha de você? A gente só combate fogo com fogo. Nenhuma batalha se vence com bondade, e um elefante só se come de pedaço em pedaço.
Eu estou tentando dar ao problema a dimensão que ele tem.
Mas é difícil quando tudo o que sinto é uma vontade enorme de fazer maldade, fazer ela sentir o que eu senti ontem.
Pela primeira vez na vida quero ser má. Alguém por favor me tira daqui.